segunda-feira, maio 31, 2004

Pensamentos soltos, 3

Uma má (auto) educação fez-me descobrir Almodôvar tarde.

Inovações tecnológicas

Lembro-me!
Quando algo nos marca não se esquece. Tinha doze anos e a partir daquele dia Tom Hanks (a.k.a. Josh) seria para mim o maior tanso da história universal.
Sim, eu queria um lugar de topo numa firma de brinquedos; sim, eu queria experimentar os divertimentos mais radicais dos parques de diversões; e, Elizabeth Perkins, senhores! Ai, Elizabeth Perkins! O quanto eu desejei encontrar uma máquina Zoltar! Sonhei encontrar uma: sonhei ser Big. E depois aquele tanso, Tom de seu nome, renegando tudo para voltar à adolescência, às borbulhas, à sala de matemática, à doce morena do 12º ano inatingível. Tanso! Burro!
Colocava o filme já gasto no antigo leitor Betamax, e sempre que se dirigia pela segunda vez à máquina dos desejos eu gritava: Não! Por favor, não! ... Tanso!

Big foi o filme que me fez admitir as maravilhas do formato DVD. Quando vejo o filme em DVD, Tom Hanks deixa de ser um tanso, tornando-se antes um verdadeiro herói. Isto do digital tem muito que se lhe diga.

domingo, maio 30, 2004

Tarantino, 1

O artigo de jornal debruçava-se sobre Kill Bill Vol. 1. O jornalista apontava o objecto fetiche recorrente nos filmes de Tarantino, a mala. Escrito isto, prova-se que o jornalista estava a milhas de distância do resultado certo da sua reflexão. A resposta estava, afinal, um pouco mais abaixo dos joelhos. Claro que um jornalista de cinema nunca olha para baixo.

Para um leitura correcta da continuação deste post é fundamental seguir os seguintes passos, abaixo descritos:

1- Erguer o corpo mantendo-se de pé
2- Levantar todos os dedos dos pés
3- Tentar inclinar-se para a frente
4- Não cair (ou cair, caso seja também um fetiche)

Os pés são fundamentais para o equilíbrio da figura humana, e é avaliando o gosto, ou repugnância, que cada um demonstra por tal parte do corpo humano que podemos avaliar o quão equilibrado se é. Quentin não é muito equilibrado. Felizmente.

sábado, maio 29, 2004

O dia depois de amanhã

Será igual ao dia de hoje. Igual ao que virá depois, e depois, e depois. Até quando? Impossível saber quando se está, actualmente, no meio de uma idade da neve.

Alguns anos atrás os blockbuster eram gelados, o que os tornava maravilhosos. Olhar para as águas geladas de Jaws ou para o Delorean glacial de Back to the Future após mais uma viagem no tempo era olhar para algo fascinante. Era olhar para um bloco de gelo. Todos, os que olhávamos sabíamos que estava um bloco de gelo à nossa frente, reconhecível à primeira vista, sem necessidade de análises ou raciocínios mais profundos. Porém, quem se desse ao trabalho de limpar a primeira camada de neve sobre o gelo, podia ver o seu interior. Lá dentro, aprisionados, a humanidade, o amor, o nazismo, o sofrimento, e muito mais. Cativos na eternidade, esperando ser descobertos.

Hoje em dia, os blockbusters são apenas feitos de neve. E por mais que se escave não há nada que mereça ser encontrado. Assim é, assim será durante esta idade da neve.

O dia depois de amanhã será igual ao dia de hoje. Igual ao que virá depois, e depois, e depois. Mas sempre com alguns pequenos pedaços de granizo a caírem aqui e ali.

sexta-feira, maio 28, 2004

Pensamentos soltos, 2

A pipoca, da sala de cinema, produz o efeito contrário à maçã do Jardim do Éden.

Pensamentos soltos, 1

Chamam muitas vezes génios a certos realizadores e argumentistas.
Eu prefiro acreditar que são apenas pessoas mais atentas.

Kaufman, 2

Gosto de olhar os filmes de Kaufman como um Raging Bull de Scorsese com a estrutura narrativa baralhada.

Kaufman, 1

Todos os argumentistas colocam um pouco de si nos filmes. Charlie Kaufman coloca-se totalmente.

Numa conversa de café, em local e data esquecidos, alguém que também esqueci disse um dia: - É brilhante, cheguei à conclusão que Donald não existe, Charlie e Donald são a mesma pessoa.

De facto em Adaptation, Charlie e Donald são a mesma pessoa, mas não ficamos por aqui. Charlie é Craig em Being John Malkovich, Charlie é Chuck em Confessions of a Dangerous Mind, e em Eternal Sunshine of the Spotless Mind Charlie é Clementine e Joel, não deixando de ser curiosas as iniciais de Clementine Kruczynski. Kaufman espreme-se a si próprio e o sumo que dele extrai assume a forma das suas personagens, sempre perdidas, sempre desajustadas, mas sempre na procura do mesmo objectivo: o amor de alguém. Esta é a razão pela qual a fórmula de Kaufman não se esgota. Leio críticas e análises aos guiões de Charlie que apontam como sucesso a sua forma de baralhar as cartas colocando o espectador no centro de um labirinto de onde não sabe sair. Não. Kaufman não faz isso. Houvesse um labirinto e todas as suas paredes seriam de vidro quebrável, e onde é possível de qualquer ponto observar o nosso objectivo, a saída que é muitas vezes uma nova entrada para o eu. Podemos contornar os caminhos para lá chegar, ou simplesmente partir o vidro. Há em tudo, uma certa dose de risco.

A procura do amor é sempre um labirinto de vidro. Logo, quando Kaufman se coloca nos filmes, quando coloca a sua jornada, acaba por transportar-nos para um local que nos é familiar, já conhecido, e que também se encontra baralhado e disperso nas nossas memorias mais remotas. Os filmes de Kaufman são um puzzle, que é também o nosso próprio puzzle. Enquanto desvendamos as suas estórias, na sala escura de um cinema, alinhamos também as peças do nosso jogo. Kaufman sabe isto, porque é igual a todos nós, porque de alguma forma todos somos idênticos. A diferença está naqueles que o admitem, como Charlie.

Deixamos a sala satisfeitos porque descobrimos algo já esquecido. Confusos, é certo, mas reencontrarmo-nos connosco nunca é um processo dócil. Deixamos a sala com essa mensagem na mente: que as memorias não devem nunca ser apagadas.

Já dizia Donnie em Magnolia: Podemos cortar com o passado, mas o passado não corta connosco

quinta-feira, maio 27, 2004

Para que se saiba,

David Mamet, Walter Murch, e Robert Mckee vão ocupar muitos dos posts deste blog.
Fica desde já o aviso.

Alguém disse um dia:

Não posso dar-me ao luxo de ir ao cinema. Emociona-me muito.

Just a Kiss?

Um beijo nunca é apenas um beijo. O ser humano gosta de categorizar os tipos de beijos: de olhos bem fechados; apaixonados; fugidios; franceses. Mil? Dois mil? Perde-se a conta quando se tenta contar. Quem descobre um que seja igual que se levante, ou cale-se para sempre. São todos tão diferentes, tão únicos. Acreditar que um beijo é apenas um beijo é acreditar numa ilusão.

Este blogue, acredita que um beijo é mais que um beijo. Mesmo assim, este blogue é sobre a ilusão. Uma ilusão que também é uma paixão. É fazer amor no interior de uma sala escura. É copular com imagens e sons. É dar à luz o resultado dessa união inquietante. Este blogue é sobre cinema.