sábado, julho 03, 2004

A eterna questão do sublime

Umas das personagens de ficção que mais me fascina é Tom Ripley, talvez porque não o compreenda. A sua criadora, Patricia Highsmith, conhecia uma das regras fundamentais de um bom contador de histórias: amar os vilões. O vilão, se é que podemos adjectivar Ripley desta forma, deve sempre ser escrito de forma amoral. Não, não precisamos de o compreender nem ajuizá-lo. Analisando os vários psicopatas do cinema e da literatura, reparo que existe uma necessidade de justificar de alguma forma as suas acções: um trauma, um armário, um cinto, algures no passado. Este foi o grande erro de Anthony Minghella em The Talented Mr. Ripley, tentar justificar de alguma forma as acções de Tom, ajuizar. O filme em questão é um bom momento de cinema se não conhecermos previamente a personagem principal. Caso contrário, é uma afronta ao fascinante Ripley. Liliana Cavani recoloca a personagem no trilho certo em Ripley’s Game, sem remorsos, sem consciência, quase desprovido de sentimentos.
Em muitos livros de cinema afirma-se que o espectador e o leitor procuram uma identificação com as personagens, e que quando tal acontece a experiência é muito mais enriquecedora. Balelas! Eu não me identifico minimamente com Tom Ripley e porém é uma das personagens mais fascinantes que habitam os mundos do papel e do celulóide. O cinema tem de nos dar experiências únicas. Aceito. As personagens deve ser metáforas para a condição humana. E qual a metáfora para Tom Ripley? O mal? Quer-me parecer que não, que categorizá-lo será limitar o campo de acção desta personagem. Um campo de acção de proporções megalómanas, enterrado bem fundo no mais profundo dos segredos. Um homem maior que a vida. Uma criação, como o próprio gosta de se intitular. A mais sublime das criações: uma personagem que nos confunde e fascina.

Jonathan Trevanny: Oh, hi. You're here, then. Excellent. We were hoping you'd come.
Tom Ripley: Why?
Jonathan Trevanny: Well, to... to add spice to the evening.
Tom Ripley: Meaning?
Jonathan Trevanny: You're a bit of a local personality.
Tom Ripley: Meaning?
Jonathan Trevanny: People have heard about you.
Tom Ripley: Meaning?
Jonathan Trevanny: Nothing. Just... nothing.