domingo, junho 06, 2004

O Milagre Segundo Miguel

Que milagre seria! Que aparição divina! Que estrela de esperança levemente descendo os céus! Do que falo? Do que não acontece numa sala de cinema que projecta um filme português. Não, este texto não será mais uma queixa entre mais público ou melhor crítica; não será um lamento por mais conteúdo e menos forma, ou só forma, ou só conteúdo; não é mais um chorar de dinheiros públicos. Este texto é sobre um milagre. Um milagre que tarda em chegar. Um filme português que seja uma obra completa. Não, também não venho falar de primas. Aliás, nem de primas, nem enteados, nem amigos, e compadres. Venho falar de um milagre.
O que quero eu dizer com obra completa? – perguntam alguns – eu passo a explicar, mas só alguns me podem entender: todos os que já escutaram o Allegretto da sétima sinfonia de Beethoven. Quem acha que deve ser acrescentada mais uma nota a esse andamento? Quem gostaria de retirar um instrumento? Ninguém. É uma obra completa. Inicia, evolui, prossegue, descansa, explode, termina. Várias fases, diferentes momentos, mas sente-se como uma só. Nunca um filme português me fez sentir como um só. Há sempre algo, uma falha aqui, um esquecimento ali, um pormenor por trabalhar acolá. Por isso, espero pacientemente um milagre que me proporcione o merecido descanso. Espero a obra completa, que funciona como uma só peça mesmo sendo composta por dezenas de mecanismos interiores. Ritmo, imagens, sons, palavras, olhares, unindo-se numa dança perfeita que, caso fosse música seria interpretada com emoção por uma Wiener Philharmonike.
Sou ateu, mas confesso que ainda espero por um milagre.